O Console Mais Superdimensionado

Em 2006, a Sony, no auge de seu sucesso com 155 milhões de unidades vendidas do PlayStation 2, enfrentava o desafio de se manter no topo. A empresa, que dominava o entretenimento global com filmes de sucesso como Homem-Aranha, artistas renomados na Sony Music e uma presença forte no mercado de eletrônicos, via no PlayStation sua joia da coroa. Com o PS2 superando esmagadoramente seus concorrentes, como o Xbox original da Microsoft (24 milhões) e o GameCube da Nintendo (22 milhões), a questão era: como replicar esse sucesso? No entanto, essa pergunta desencadearia uma jornada que quase destruiria a marca PlayStation, transformando seu maior triunfo em um pesadelo.

Apesar da aparente invencibilidade, os executivos da Sony estavam cientes de várias ameaças iminentes. O primeiro inimigo era o próprio sucesso do PS2, que estabeleceu um padrão quase inalcançável. O segundo era a "guerra" sem fim da Microsoft, que, apesar de perder bilhões com o Xbox original, estava determinada a gastar o necessário para dominar o mercado de jogos. A terceira ameaça vinha da Toshiba com o formato HD DVD, que poderia custar à Sony bilhões em licenças caso superasse o Blu-ray. A quarta era a "carta coringa" da Nintendo, que anunciava o "Revolution" (mais tarde Wii) com um controle misterioso que prometia uma experiência de jogo diferente, não focada apenas em gráficos. Finalmente, a quinta ameaça era a ascensão dos jogos para PC, com Nvidia e ATI lançando hardware que tornava os gráficos dos consoles obsoletos. Diante dessa "guerra de cinco frentes", a Sony decidiu construir uma arma tecnológica tão poderosa que nenhuma dessas ameaças poderia tocá-la.

Para combater as cinco ameaças simultaneamente, a Sony apostou em três tecnologias revolucionárias que redefiniriam o conceito de console de jogos. Em parceria com IBM e Toshiba, a Sony propôs a criação do processador Cell, o mais potente já criado para eletrônicos de consumo. A promessa era de física ultrarrealista e inteligência artificial avançada para NPCs. Ken Kutaragi, o "pai do PlayStation", declarou que o PS3 seria tão poderoso que permitiria o uso de múltiplas unidades para computação distribuída, algo que a Força Aérea dos EUA realmente fez, conectando mais de 1.500 PS3s para criar um dos supercomputadores mais rápidos da época.

O processador Cell não era apenas uma atualização, mas uma tecnologia alienígena em termos de complexidade. Sua arquitetura de 9 núcleos exigia que os desenvolvedores reaprendessem completamente a programar, o que se tornaria um grande desafio. A Sony, contudo, não se contentou em apenas vencer a guerra de desempenho.

Para encerrar a guerra dos formatos HD antes mesmo de começar, cada PS3 viria com uma unidade Blu-ray embutida. Esta foi uma jogada estratégica genial disfarçada de "loucura de engenharia". A Toshiba poderia gastar bilhões em marketing para o HD DVD, mas não conseguiria competir com a Sony, que literalmente estava oferecendo leitores Blu-ray com cada venda de console, dando uma vantagem decisiva para o formato.

A Microsoft tinha o Xbox Live, que gerava uma receita recorrente de milhões de assinantes. A Sony respondeu com uma abordagem audaciosa: construir a PlayStation Network (PSN) como um serviço premium totalmente gratuito. Mensagens, lista de amigos, multiplayer online e downloads de jogos digitais — tudo sem custo. Essas três tecnologias foram projetadas para criar um ecossistema de jogos imparável, com o Cell entregando visuais deslumbrantes, o Blu-ray vencendo a guerra dos formatos e a PSN gratuita roubando assinantes do Xbox Live e construindo lealdade à marca.

O ambicioso plano mestre da Sony começou a desmoronar no momento em que tentaram executá-lo. O processador Cell, que deveria ser a arma secreta, tornou-se um pesadelo para os desenvolvedores. Jogos que rodavam perfeitamente no Xbox 360 tornavam-se travados e cheios de bugs no PS3. Os nove núcleos do Cell não funcionavam como processadores normais, exigindo que os programadores reescrevessem completamente seus códigos, algo que a maioria não conseguiu fazer.

O PS3 é um desastre total em muitos níveis.

Então veio a E3 2006, onde a Sony anunciou o preço que assombraria a empresa por anos: $599. Em comparação, o PlayStation original foi lançado por $299, o PS2 também por $299, e o premium Xbox 360 custava $399. As fábricas da Sony estavam perdendo dinheiro em cada unidade, com o processador Cell custando cerca de $230 para fabricar e a unidade Blu-ray mais $125. Somando os custos da GPU Nvidia, memória e outros componentes, cada PS3 custava à Sony cerca de $870 para ser construído.

A Sony estava perdendo quase $300 em cada console PS3 vendido. Enquanto isso, o Xbox 360 já estava no mercado há um ano, construindo uma biblioteca de jogos e superando problemas de fabricação. A Nintendo lançou o Wii no mesmo mês por $249, menos da metade do preço do PS3, e esgotou-se imediatamente em todos os lugares. Estima-se que as perdas totais da Sony com o PS3 ultrapassaram 5 bilhões de dólares ao longo da vida útil do console.

Apesar das perdas financeiras e do abandono de desenvolvedores, a Sony não desistiu. Lentamente, de forma quase impossível, a empresa começou a vencer guerras que poucos percebiam. Em fevereiro de 2008, a Toshiba se rendeu, e o HD DVD foi oficialmente declarado "morto". Essa vitória, por si só, geraria bilhões em receita de licenciamento, fazendo com que as perdas do PS3 parecessem um investimento estratégico.

A inclusão da unidade Blu-ray em cada PS3 provou ser a jogada decisiva na guerra dos formatos. Ao massificar a presença do Blu-ray no mercado de eletrônicos de consumo, a Sony forçou a rendição do HD DVD, garantindo uma fonte de receita significativa por anos através de licenciamento e consolidando o Blu-ray como padrão da indústria.

Jogos exclusivos de alta qualidade começaram a surgir. Uncharted mostrou o verdadeiro potencial do PS3, e God of War II entregou o espetáculo cinematográfico prometido pela Sony. Mais importante, os estúdios internos da Sony finalmente desvendaram o processador Cell. The Last of Us, lançado perto do fim da vida útil do PS3, tinha visuais impressionantes, superiores à maioria dos primeiros jogos do PS4, demonstrando o domínio da tecnologia. Além disso, a PSN ganhou força.

Enquanto os assinantes do Xbox Live reclamavam de pagar $50 anuais, os usuários do PlayStation obtinham os mesmos recursos gratuitamente. A base de usuários da PSN explodiu e, ao final da geração, a Sony havia construído um concorrente legítimo para o Xbox Live. Mais notavelmente, o PS3 conseguiu uma recuperação impressionante nas vendas totais, vendendo aproximadamente 87 milhões de unidades em comparação com os 84 milhões do Xbox 360. Embora o Wii tenha vendido mais de 100 milhões, a recuperação do PS3 foi notável.

A Sony perdeu bilhões de dólares com o PS3, alienou desenvolvedores e quase destruiu a marca PlayStation. No entanto, também venceu a guerra dos formatos, manteve sua posição no mercado, construiu um serviço online de classe mundial e criou alguns dos maiores jogos já feitos. O mais importante é que a empresa aprendeu. Cada erro, cada tropeço, cada perda de bilhões de dólares, ensinou algo crucial sobre o que os jogadores realmente queriam.

Quando o desenvolvimento do PS4 começou, a Sony não apenas construiu um novo console; sistematicamente corrigiu cada erro cometido. Mark Cerny, o arquiteto-chefe do PS4, passou dois anos conversando com desenvolvedores de jogos. O que eles queriam? Ferramentas simples, hardware familiar e processos de desenvolvimento diretos. A Sony literalmente projetou o PS4 com base no feedback dos desenvolvedores, em vez de ambições de engenharia.

Enquanto o Xbox One da Microsoft foi lançado focado na integração com TV e aplicativos de entretenimento, a mensagem da Sony com o PS4 foi precisa: sem afirmações de supercomputador, sem novos formatos de mídia revolucionários, sem posicionamento multiuso complexo. O PS4 era um console de jogos que rodava jogos muito bem, e isso foi o suficiente. Quando a Microsoft anunciou o Xbox One por $499, a Sony já tinha sua resposta: $399. Não haveria mais perdas de centenas de dólares por console nem apostas arriscadas em estratégias de longo prazo. O PS4 daria lucro imediatamente. O PS4 vendeu mais de 117 milhões de unidades. A Sony transformou cada lição dolorosa da era PS3 em vantagens competitivas, resultando em bilhões em lucro. Às vezes, as lições mais caras são as mais valiosas.